Ao estilo do ‘A Praça é Nossa’, sem querer, querendo, ouvi uma conversa entre alguns jovens, aparentando 18 e 20 anos de idade, moradoras de uma pequena e ordeira cidade do interior da Bahia .
Não que o assunto tenha sido dos mais chamativos, mas o objeto da discussão fora bastante interessante e real. Uma das meninas pergunta para as amigas, vocês teriam coragem de trabalhar de garçonete aqui em nossa cidade? Tendo que atender as suas colegas de colégio e os gatinhos? Uma das amigas, sem titubear na resposta diz: “Sinceramente, vergonha de trabalhar eu não tenho, mas admito que aqui neste fim de mundo onde a gente mora eu teria sim. Imagina se eu ia dar o gostinho desse povinho fuxiqueiro me verem como fracassada. As críticas seriam muitas, fariam me sentir muito mal perante os amigos e amigas, principalmente os colegas de colégio .
Isso com certeza me incomodaria muito”. Uma outra colega, menos envergonhada e mais ajuizada, rebate, “Eu? Ter vergonha de trabalhar? Se a situação apertar, não penso duas vezes, vou trabalhar como garçonete. Trabalho não é defeito, é virtude”. Após plausível comentário, conclui com uma saída melhor que a entrada. Utilizando da verdade e do senso de humor, conclui: “além de trabalhar honestamente, iria melhorar meu equilíbrio carregando copos na bandeja. Como restaurantes e pizzarias são locais frequentados por muita gente, vai que eu conheça alguém que possa oferecer outro trabalho com uma remuneração melhor. Uma coisa leva a outra. Eu teria vergonha de roubar, isso sim!”. A quarta amiga, com uma resposta bem parecida disse: “Se eu estivesse precisando trabalhar com certeza não hesitaria pela vaga de garçom ou outra e buscaria depois algo melhor, inclusive algo que fosse na minha área. No Brasil como no mundo, as pessoas estão perdendo a dignidade, por isso que vemos tanto absurdo por aí... mortes, tráfico, enfim, a banalização da vida”. O que faz uma pessoa não querer fazer algo em seu local de origem e se submeter a tudo em outros estados, em outras cidades e, ou, em outro país? Seguindo a conversa das jovens, a resposta estaria na vergonha, na vaidade, no sentimento de fraqueza humana, no de viver para os outros. Muitas pessoas sofrem escondidas e alimentam tal sofrimento ao persistirem em esconder suas realidades .
O que fazem tantos Brasileiros abandonarem suas origens pelo simples fato de não se aceitarem? O filho ou a filha do dono do mercadinho, da farmácia, da padaria, da lanchonete, do restaurante, do posto de gasolina, da desnatadeira, da pousada..., aceitaria trabalhar de garçom, de pedreiro, de empregada doméstica, de diarista, de babá, de cozinheiro ou outras profissões similares em sua cidade natal? Pois é, de acordo dados apresentados por institutos de pesquisas especializados em mão de obra de migrantes e imigrantes, essas são as principais profissões exercidas para os que buscam emprego nos grandes centros do Brasil e em outros países. O processo de estabilidade econômica do Brasil, fez com que houvesse um aumento da renda do brasileiro e do poder de compra da classe C, além da melhoria nas condições de vida das classes D e E. Apesar de ainda restarem muitas mazelas, é inegável que a situação do país está melhor do que antes. Segundo o IBGE, nos últimos dez anos começaram a haver um movimento de retorno da população às regiões de origem em todo o país. A corrente migratória mais expressiva continua a ser entre o Nordeste e o Sudeste, mas houve redução. A região Nordeste foi a que apresentou o maior número de migrantes retornando para seus estados .
O Nordeste começa a atrair população, com uma rede social melhor. Em um programa jornalístico apresentado aos domingos na televisão brasileira, a história do italiano Antimo Magnotta, que atuou 17 anos como pianista profissional em cruzeiros de luxo, chamou a atenção pela escolha de uma segunda profissão depois que passou por um grande susto. Ele foi um dos sobreviventes ao naufrágio do Costa Concordia, ocorrida no dia 13 de janeiro de 2012, que deixou 32 mortos. Ele escreveu um livro sobre a tragédia e decidiu trabalhar como garçom, em Londres, na Inglaterra. Durante três dias por semana troca o avental pelo terno e se apresenta ao piano. Reportagens como a do pianista/garçom reforçam a importância da informação através de histórias que servem de exemplo para serem seguidos. Sem dúvidas, além da informação, os meios de comunicação, escrita, falada e televisiva oferecem outros diversos benefícios para o aprendizado humano, desde o profissional e, principalmente, o moral. Muitas pessoas copiam para suas vidas o que leem, ouvem ou assistem; como o que lhes é apresentado é a verdade absoluta.
Por Gervásio Lima, Jornalista, historiador e colaborador do Blog Xiquesampa .
FONTE: XIQUESAMPA .