Gervásio Lima é Jornalista Jacobinense , Historiador e Colaborador do Blog Xiquesampa .
Durante o fechamento da edição de um semanário o diagramador é alertado para um possível erro de troca de fotografia. “Ué moço, tu não tá colocando a foto no texto errado não? Como assim, esta não é a foto do lançamento da Micareta (festa genérica do Carnaval)? Claro que não, tu não tá vendo que as pessoas que aparecem na fotografia se parecem mais com membros de associação de bairro, daquele povo que gosta de participar de movimentos rurais? Vixe rapaz, é mesmo. Olha a foto correta aqui”, disse o diagramador, corroborando com a estúpida comparação discriminatória ao apresentar a fotografia de uma mesa bem forrada, com adereços de flores naturais e uma pessoa de paletó, provavelmente um prefeito, falando ao microfone .
Indagada porque aquelas pessoas não poderiam ser o público do lançamento de um evento considerado dos mais populares, por reunir e misturar a população (mesmo às vezes sendo dividida por cordas ou camarotes), a figura respondeu: “Aquelas roupas simples, os chapéus de palha e de couro sobre as cabeças, os rostos típicos de trabalhador rural, ente outras características causou-me uma certa estranheza”. Esta cena preconceituosa aconteceu de verdade. A foto em questão era de uma reunião de feirantes onde, em um momento também festivo, estavam recebendo as tão sonhadas e esperadas chaves de espaços para comercializações de seus produtos na feira livre.Inocentemente ou propositadamente, os estereótipos citados para justificar as diferenças são claras demonstrações preconceituosas enraizadas e financiadas por padrões de beleza, comportamentos e outros estabelecidos por meios de comunicação e por aqueles que se acham diferentes por gozar de uma situação financeira melhor ou ter tido oportunidades diferenciadas como acesso à educação, lazer e outras. Recentemente uma fotografia exposta nas redes sociais de uma pessoa vestindo bermuda e camiseta em um aeroporto no Rio de Janeiro, injuriou uma professora universitária carioca. Segundo ela, as vestimentas estavam mais adequadas para uma rodoviária, um passageiro de ônibus e não para um aeroporto, um passageiro de avião. Partindo do princípio de que a Micareta é uma festa popular, pertencente ao povo, não seria mais estranho ter a presença de engravatados? A alegria e o direito de ser feliz não têm ‘cara’ nem roupa. E por falar em festa, as primeiras imagens da abertura do Carnaval de Salvador assustaram bastante .
Um senhor, morador das imediações da zona urbana de uma cidade do interior da Bahia, demorou a acreditar que se tratava de imagens de uma festa momesca: “Há alguns dias atrás eu vi na televisão um jornalista dizendo que duas empresas de cervejas iriam investir mais de 20 milhões no Carnaval, e que a festa receberia mais 70 milhões do governo. Daí eu pensei, ô meu Deus vai dá confusão de novo. Com tantos milhões gastos numa zuadeira do cão, onde o povo briga, fica bêbado, é roubado e muitas meninas são embuchadas... vai acontecer mais protesto. Quando eu ligo a televisão, um mar de gente tomava conta de uma avenida da capital baiana, muitos usando máscara ou com a cara pintada; eu disse pronto, é fim de mundo, esse povo não vai deixar nada inteiro, vai La meu Deus.” Para o alívio daquele que é um telespectador assíduo dos telejornais, o enxame de gente visto na televisão desta vez não era mais um protesto por algum tipo de gasto do governo. Era o início da maior festa popular do mundo, o Carnaval de Salvador. Felizmente, neste momento o povo não tem tempo para pensar em gastos, ele quer é pular, dançar, requebrar, não importa de onde veio ou como veio o dinheiro que está patrocinando alguns dias de alegria passageira.
“Eu não tenho carro, não tenho teto
E se ficar comigo é porque gosta
Do meu ranranranranranranran lepo lepo” (Banda Psirico)
Você me deixe, viu!
FONTE: XIQUESAMPA .