Acompanhando os largos passos
do bispo Dom Luiz Cappio na sinuosa trilha na Serra da Canastra, seguia
a ofegante peregrinação para reencontrar o coração de um rio ferido .
Entre os dias 10 e 12 de outubro de 2012 várias atividades realizadas em Minas
Gerais ajudaram a relembrar os 20 anos da Peregrinação da Nascente à
Foz do São Francisco, mobilização realizada entre outubro de 1992 e
outubro de 1993, em defesa do rio São Francisco, por quatro peregrinos:
Frei Luiz Cappio, franciscano da região da Barra (BA), Adriano
Martins, sociólogo e ambientalista, Orlando Araújo, lavrador e
garimpeiro e a Ir. Conceição Menezes, religiosa franciscana.
Em busca de um rio e sua gente: Em 1991, um grupo de pessoas engajadas na luta pela preservação do Rio São Francisco buscava uma forma de envolver nesta
luta as comunidades ribeirinhas, as mais atingidas pela degradação
assustadora do Rio. Mesmo sendo vital para a sobrevivência de milhões de
pessoas e uma infinidade de animais e plantas, o Rio vinha sofrendo,
nas últimas décadas, as consequências da implantação de um modelo de
desenvolvimento humana e ecologicamente insustentável. Um processo que
desde então só tem se agravado. Em junho de 1990, artistas e
ambientalistas fizeram uma viagem de mobilização eco-cultural nas
ribeiras do São Francisco entre Xique-Xique-BA e Pirapora-MG. Daí nasceu
a Associação pra Barca Andar, organização pioneira no esforço mais
permanente de juntar pessoas e entidades na defesa do Rio entre Minas e
Bahia. Mas durou pouco, até 1995 .
E a situação do rio agravada carecia de
um movimento maior. Foi aí que Frei Luiz Cappio, franciscano da região
da Barra (BA), Adriano Martins, sociólogo e ambientalista, Orlando
Araújo, lavrador e garimpeiro e a Ir. Conceição Menezes, religiosa
franciscana, juntaram-se e empreenderam a “Peregrinação no Rio São
Francisco”, da nascente à foz. Caminharam pelas barrancas, ilhas,
povoados e cidades do “Velho Chico”, entre 4 de outubro de 1992 e 4 de
outubro de 1993, dia de São Francisco e do “batismo” pelos colonizadores
portugueses do Rio que era o “Opara” dos índios.
Encontro com e entre as comunidades: Com
a imagem de São Francisco Peregrino passando de mão em mão, a caminhada
de um ano inteiro visitou 350 comunidades ribeirinhas e promoveu o
encontro entre elas, ao longo dos 2.863 km de extensão do Velho Chico,
considerado o “Rio da Unidade Nacional” no discurso oficial. Foi uma
resposta ao clamor do Rio, da vida que o anima e estava sob risco.
Resposta a uma situação-limite, em que o São Francisco se encontra,
ameaçado na sua condição de gerador de vida para milhões de brasileiros e
um sem número de espécies da fauna e da flora. A motivação central desta Peregrinação
franciscana no espírito do Rio e do Santo foi a de sensibilizar e
mobilizar as comunidades locais para a preservação do Rio, em especial
as mais pobres, que mais precisam dele, e provocar os que mais têm
poder, sobre sua vida e sua morte. Um ano e meio de contatos e
entendimentos com as 97 paróquias, 16 dioceses e cerca de 300 entidades
populares atuan-tes no Vale do São Francisco preparou a Peregrinação. Foram desenvolvidas variadas atividades: 737 celebrações; 464 encontros
com estudantes e professores; 296 com grupos específicos (crianças,
jovens, sindicatos, colônias de pescadores, grupos ecológicos, povos
indígenas); 46 com Câmaras de Vereadores; 35 com Prefeituras Municipais,
15 com empresas; e um sem número de entrevistas para emissoras de
rádio, canais de televisão e jornais .
Milhares de árvores foram
plantadas como gesto simbólico do “gole d'água” dado ao Rio em
retribuição às tantas “bençãos” que ele dá. A Peregrinação mexeu tanto com o povo
como com as autoridades. Uns e outros são levados a reconhecer a
situação alarmante de degradação do Rio. Nasce a expressão
"revitalização do rio São Francisco" para dizer de uma necessidade
imperiosa afirmada pelo povo e, a partir daí, uma pauta política
relevante no país. Em 1999, um seminário promovido pelo Regional
Nordeste 3 da CNBB, em Salvador (BA), consagrou definitivamente a
expressão, numa cobrança inescapável: “TRANSPOSIÇÃO NÃO, REVITALIZAÇÃO
SIM!”.
Sobre a Peregrinação: A
Peregrinação é considerada a maior mobilização ecológica/religiosa em
defesa do rio São Francisco, sendo realizada entre outubro de 1992 e
outubro de 1993, por quatro peregrinos: Dom Luiz Cappio, Adriano
Martins, Orlando Araújo e Irmã Conceição Menezes, mobilizando 350
comunidades nos 2.863 km de percurso do rio São Francisco. Muitas
iniciativas surgiram durante e depois do evento, por ela motivadas:
plantios de árvore, preservação de nascentes e matas em propriedades
particulares e comunitárias, mutirões de limpeza da beira do Rio,
programas de educação ambiental e semanas ecológicas nas escolas,
mutirões de arborização das cidades. A Peregrinação foi motivada,
na época, pela alarmante degradação do rio e foi uma das primeiras
mobilizações organizadas em defesa do Velho Chico. Passados 20 anos, a
degradação que impulsionou os peregrinos agravou-se. O rio São Francisco
perdeu 35% da sua vazão nos últimos cinquenta anos e passou a sofrer
com a construção de empreendimentos econômicos que tem degradado ainda
mais o rio. Recentemente, pesquisadores da Universidade do Vale do São
Francisco (Univasf) divulgaram uma pesquisa alertando para a extinção da
caatinga e as consequências para o Rio, que segundo eles, corre o risco
de ser extinto se a degradação continuar nesse ritmo.
Dom Luiz Cappio: Dom
Luiz convive há mais de 30 anos com os problemas do Vale do São
Francisco e, por duas vezes, ofereceu a sua vida em defesa do rio e das
comunidades que vivem do Velho Chico. Em setembro de 2005, o bispo de
Barra iniciou uma greve de fome que durou cerca de 11 dias, pela não
realização da Transposição e pela Revitalização do rio São Francisco. Em
2007, depois do não cumprimento da promessa do governo Lula de promover
debates sobre a transposição, de discutir as alternativas propostas
pelo Atlas do Nordeste e de promover a revitalização do rio, Dom Cappio
retomou a greve de fome que durou, dessa vez, 24 dias. Em 2007 D.
Luiz foi premiado pela Pax Christi International, organização criada em
1945, para promover direitos humanos. Em 2008, recebeu o Prêmio Kant de
Cidadão do Mundo, na Alemanha. Seja no enfrentamento de um Projeto de
Transposição imposto como falsa solução para a questão hídrica do
Semiárido e em completa desatenção quanto ao estado de degradação do
rio, seja na luta por uma inexistente Revitalização verdadeira do
complexo de vida que é o Rio São Francisco, a Articulação tem marcado o
cenário político e social-ambiental brasileiro .
FONTE: XIQUESAMPA, SÃO FRANCISCO VIVO E REMA ATLÂNTICO .