O mundo visto da cozinha do chef Aderval Machado, baiano que conquistou a SP chic dos 60 .
Glamour com rapadura: Aos 72 anos, Aderval Emílio Machado, nascido em Presidente Dutra (BA)
continua com apetite insaciável. Inaugurou mais um restaurante
em São Paulo, o Bistrô da Praça .
Um burrico caminha pela estrada de terra
batida na madrugada de 6 de março de 1953. Carrega no lombo um jovem
casal que procura a estação de trem mais próxima, ponto de partida para a
viagem sem volta com destino à capital paulista. Aderval e Firmícia
aproveitaram a escuridão noturna para fugir de um casamento arranjado
cuja noiva não era ela, mas outra antiga namoradinha do então menino
Aderval. Depois do matrimônio forçado com uma, o noivo decidiu levar a
outra, verdadeira amada, para construir uma nova vida em São Paulo. Seu Machado reestréia no métier como
sócio de Roberto, terceiro dos cinco filhos que teve com a companheira,
Firmícia. Meio século o separa da pequena cidade natal de nome pomposo,
Presidente Dutra, na Bahia. Dos 57 anos vividos na capital paulista, 54
passou enfurnado na cozinha. Em meio a colheres de pau e frigideiras
fumegantes, seu Machado viveu dois terços de sua vida com um olho na
panela e outro no salão, de onde extraía informação do que acontecia lá
fora, nas ruas. Regado a azeite e uma imensa fome de aprender, o baiano
do sertão viu o mundo da cozinha e acompanhou a história do Brasil com a
barriga esquentando no fogão. Mas, antes de refogar o tempero
na panela, seu Machado serviu muito prato no salão. A gastronomia se
tornou um objetivo atraente após descobrir que o salário do chef era
cinco vezes maior do que o dele. Pleiteou uma ocupação humilde na
cozinha, já determinado a aprender o ofício. Seu primeiro emprego foi no
Taverna do José, na rua Albuquerque Lins. Desde então passou pelo Le
Provençale, na rua Martins Fontes, pelo Belle Époque, no Clube
Escandinavo, e por outros tantos até comprar seu primeiro restaurante, o
Chuleta Dourada, em 1985 .
A cozinha do Terraço Itália estava em
polvorosa. O imigrante Evaristo Comolatti, fundador da casa italiana que
se consolidou como cartão-postal de São Paulo, acabara de confirmar a
eminente visita da rainha da Inglaterra ao restaurante. Em novembro de
1968, Elizabeth II iria, com seu ilustre cortejo, admirar a bela vista
da metrópole no terraço de 165 m de altura. E ainda degustar um coquetel
gentilmente oferecido pelo italiano, que fazia questão de receber
visitas ilustres em seu salão. Nessa época, a cozinha com mais de 30
funcionários já era comandada por seu Machado, o migrante nordestino que
teimou até conquistar posto de destaque na gastronomia paulistana. Ele
não se intimidou com os nobres convidados, e a recepção foi um sucesso. A rainha e o príncipe Philip só não
puderam saborear o mais famoso prato criado por seu Machado, o Camarão
no coco verde, que entraria no cardápio algum tempo depois: “Desenvolvi
esse prato para turistas, a fim de apresentar a comida brasileira ao paladar
estrangeiro. Assim, o conhaque usado para flambar o camarão tem um
apelo internacional, e o leite de coco junto com o coentro trazem o
sabor exótico e bem brasileiro”, explica o cozinheiro. Solicitadíssimo,
o prato consta até hoje do cardápio do Terraço Itália, coroando 38 anos
de sucesso .
Gostava de espiar da cozinha a figura do
então prefeito paulistano Faria Lima (1965-69), que jantava quase
diariamente no Terraço. “Cansei de chutar bunda de garçom para se
demorar a tirar os pratos a fim de ouvir as conversas nas mesas de gente
famosa. Conhecia as figuras dos jornais e queria saber sobre o que
falavam durante as refeições”, confessa o chef, sem pudor algum. Foi a
sede de saber que impulsionou seu Machado a conhecer a cidade grande"Cansei de chutar bunda de garçom para se demorar a tirar os pratos a fim de ouvir as conversas nas mesas de gente famosa”, disse seu Machado.
Vai lá: Bistrô da Praça no Endereço: Praça Thomas Morus, 169. Tel.: (11) 3675-2694 .
TEXTO: FERNANDA DANELON
ADAPTAÇÃO: ADRIANO BRITTO
FOTO: CLAUS LEHMANN
FONTE: REVISTA TRIP .